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Modelos de distribuição de morcegos nos biomas brasileiros

A distribuição geográfica de uma espécie é a manifestação de complexas interações entre as características intrínsecas de um organismo (e.g. fisiologia, história de vida, aspectos demográficos e capacidade de dispersão) com o ambiente, que por sua vez varia no espaço e tempo, limitando a distribuição e abundância das espécies (Brown et al. 1996). Portanto, a distribuição geográfica e sua variação ao longo do tempo são características ecológicas e evolutivas fundamentais de uma espécie, e delimitá-las no período presente é uma das etapas fundamentais para o seu completo conhecimento (Brown et al. 1996).

No entanto, a distribuição geográfica é muitas vezes desconhecida para um número imenso de taxa, principalmente no caso de espécies menos conhecidas e/ou crípticas, ou ainda que ocupam áreas de difícil acesso. Nos últimos 20 anos, a partir da crescente disponibilidade de dados ambientais georreferenciados em boa qualidade e resolução espacial, o fácil acesso a bancos de dados públicos da biodiversidade, e o aumento de poder e velocidade dos computadores, bem como o desenvolvimento de diversos algoritmos, a modelagem de distribuição de espécies ganhou imenso destaque em diversas áreas da biologia, e vem sendo amplamente utilizada para prever a distribuição geográfica das espécies (Elith e Leathwick 2009b; Araújo et al. 2019). O uso destas técnicas é particularmente valioso em países ou áreas mal amostradas, extensas e biologicamente diversas, com recursos limitados (Cooper-Bohannon et al., 2016; Hernandez et al., 2008). Este é o caso do Brasil, com uma dimensão continental, com alta riqueza de espécies, mas com extensas áreas nunca amostradas (Bernard et al. 2011).

 

A modelagem de distribuição de espécies inclui diversas técnicas, que de forma genérica correlacionam pontos de presença em localidades conhecidas das espécies com informações ambientais e espaciais dessas localidades (Elith e Leathwick 2009a, 2009b). Comumente esses dados de distribuição são encontrados na forma de pontos de ocorrência e/ou "Extensão de Ocorrência – EOO" (IUCN, 2014). Os pontos de ocorrência geralmente subestimam a distribuição das espécies (os chamados erros de omissão), pois as localidades estudadas são geralmente aquelas facilmente acessadas pelos pesquisadores (Brito et al., 2009; Fernández & Nakamura, 2015; Rondinini et al., 2006).

Por outro lado, os mapas de EOO por serem polígonos com o intervalo plausível da espécie, muitas vezes construídos por pontos de interpolação ou desenhando um polígono que inclui os pontos mais externos (técnica de polígono convexo mínimo – MCP), geralmente falham ao representar a distribuição das espécies incluindo áreas inadequadas (i.e., áreas onde a espécie está ausente – Elith & Leathwick, 2009; Rodrigues, 2011). As distribuições estimadas usando esta metodologia geralmente resultam em altos níveis de erros de falsa presença (os chamados erros de comissão) e, assim, as espécies são assumidas como protegidas em locais onde na verdade não ocorrem (Fourcade, 2016; Gaston & Rodrigues, 2003; Rondinini et al., 2005).

Estimar a distribuição de uma espécie da maneira mais acurada possível ou determinar como as espécies irão responder às mudanças climáticas são questões fundamentais no manejo e conservação da biodiversidade. Nesse contexto, avanços têm sido feitos na habilidade de coleta, estocagem e disponibilização de dados temporal e espacialmente referenciados em plataformas públicas. Das 181 espécies de morcegos que ocorrem no Brasil, modelos de distribuição de espécies já haviam sido gerados para 135 delas (Delgado-Jaramillo et al. 2020). Estes modelos foram posteriormente atualizados com mais de 20 mil registros de ocorrência obtidos em todo Brasil (Aguiar et al. 2020). Com o intuito de facilitar a divulgação de dados para além da comunidade acadêmica, a SBEQ, a partir da colaboração com diferentes pesquisadores e instituições, optou por atualizar os modelos de distribuição para as espécies brasileiras de morcegos e disponibilizá-los gratuitamente de forma unificada em sua plataforma online. Aqui você poderá visualizar os modelos gerados e baixar os dados usados na modelagem.

 

Entretanto, é extremamente importante considerar que modelos de distribuição de espécies são passíveis de erros e de melhorias. Estes modelos podem e devem passar por constante atualização, agregando novos registros e corrigindo registros equivocados. Por isso, entre em contato com a SBEQ caso você tenha algum registro que não tenha sido considerado nesta modelagem, ou caso faça um novo registro que posa corrigir/aprimorar/refinar os modelos aqui disponibilizados. Sua colaboração será muito bem-vinda.

 

Metodologia

A partir dos estudos de Delgado et al. (2020) e Aguiar et al. (2020), 27.318 registros de morcegos de 172 espécies reconhecidas para o território brasileiro foram obtidos. Neste conjunto inicial de registros, filtros foram aplicados de modo a manter nas etapas subsequentes de análise apenas um registro de ocorrência por quadrante de ~10 x 10 km. Um conjunto de variáveis ambientais também com resolução espacial de ~10 x 10 km e com extensão de todo território brasileiro (porção continental) foi criado a partir de um conjunto inicial de 12 variáveis não-correlacionadas (Tabela 1). O algoritmo Maxent (Phillips et al. 2006) implementado no pacote maxnet (Phillips et al. 2017) foi utilizado para gerar modelos de distribuição para as espécies de quirópteros para cada bioma brasileiro. 

Os dados de ocorrência utilizados nos modelos de distribuição foram obtidos principalmente a partir dos estudos de Aguiar et al. (2020) e Delgado-Jaramillo et al. (2020). Estes dados podem ser obtidos através das próprias publicações. Em breve, após filtragem e verificação, os pontos serão também disponibilizados na plataforma SALVE (https://salve.icmbio.gov.br/#/).

 

É importante destacar que preferiu-se restringir a área de estudo dos modelos por bioma, uma vez que a grande extensão do território brasileiro impõe uma série de dificuldades que afetam negativamente o poder de predição e acurácia dos modelos (Elith et al. 2010, Merow et al. 2013). Os modelos foram gerados com o mínimo de 10 ocorrências por bioma para cada espécie, e um script customizado foi desenvolvido para selecionar o melhor conjunto de variáveis ambientais para cada bioma onde a espécie é encontrada (Zurell et al. 2020).

Uma vez que cada bioma possui características ambientais distintas, a partir da metodologia utilizada espera-se que o espaço ambiental ocupado pelas espécies em cada bioma encontre-se bem representado nos modelos, gerando maior confiabilidade nos resultados. Os parâmetros necessários para gerar cada modelo foram definidos de forma espécie-específica a partir de testes estatísticos. A performance dos modelos e predições foram estimadas utilizando-se a técnica de validação cruzada, a partir de um script com funções adaptadas de Zurell et al. (2020). A performance dos modelos foi avaliada a partir da habilidade estatística verdadeira (TSS) e a área sob a curva característica do operador receptor (AUC), sendo os melhores modelos aqueles com valores de AUC próximos de 1 e de TSS próximos de 0,5.

Os modelos foram gerados em ambiente R (R Core Team 2021), e para mais detalhes sobre como os modelos foram gerados e pacotes R utilizados consulte Ávila et al. (2022). A partir dos modelos gerados, mapas de distribuição potencial de cada espécie para cada bioma foram criados. Os mapas foram gerados a partir da distribuição potencial contínua resultante dos modelos criados, e em formato binário, onde áreas de presença são determinadas a partir de um limiar de corte. Uma vez que o trabalho desenvolvido no escopo deste projeto visa o auxílio na conservação das espécies de morcegos no Brasil, optou-se por incluir mapas binários obtidos a partir de dois limiares de corte: um limiar mais restritivo (Máxima sensibilidade e especificidade), e um limiar menos restritivo (Probabilidade média). Para mais informações sobre limiares, consulte Liu et al. (2013).

Figuras 1 a 12. Representação geográfica dos biomas brasileiros e variáveis ambientais utilizadas nos modelos de distribuição potencial das espécies de morcegos brasileiros. 

Modelos
Referências

Referências
 

Aguiar LMS, Pereira MJR, Zortéa M, Machado RB. 2020. Where are the bats? An environmental complementarity analysis in a megadiverse country. Diversity and Distributions 26: 1510-1522.

Araújo MB et al. 2019. Standards for distribution models in biodiversity assessments. Science Advances 5: eaat4858.

Ávila IC et al. 2022. The Colombian Caribbean Sea: a tropical habitat for the Vulnerable sperm whale Physeter macrocephalus? Oryx 56: 814–824.

Bernard E, Aguiar LM, Machado RB. 2011. Discovering the Brazilian bat fauna: a task for two centuries? Mammal Review 41: 23-39.

Brito D et al. 2009. An overview of Brazilian mammalogy: trends, biases and future directions. Revista Brasileira de Zoologia 26: 67-73.

Brown JH, Stevens GC, Kaufman DM. 1996. The Geographic Range: Size, Shape, Boundaries, and Internal Structure. Annual Review of Ecology and Systematics 7:597-623.

Cooper-Bohannon R et al. 2016. Predicting bat distributions and diversity hotspots in southern Africa. Hystrix 27. doi:10.4404/hystrix-27.1-11722

Delgado-Jaramillo M, Aguiar LMS, Machado RB, Bernard E. 2020. Assessing the distribution of a species rich group in a continental sized megadiverse country: Bats in Brazil. Diversity and Distributions 26: 632-643.

Elith J, Kearney M, Phillips S. 2010. The art of modelling range-shifting species. Methods in Ecology and Evolution. 1:330–342. doi:10.1111/j.2041-210X.2010.00036.x.

Elith J, Leathwick J. 2009a. Conservation prioritisation using species distribution modelling. In: Moilanen A, Wilson KA, Possingham HP (Eds.), Spatial conservation prioritization: quantitative methods and computational tools. UK, Oxford: University Press.

Elith J, Leathwick JR. 2009b. Species Distribution Models: Ecological Explanation and Prediction Across Space and Time. Annual Review of Ecology and Systematics 40: 677-697.

Fernández D, Nakamura M. 2015. Estimation of spatial sampling effort based on presence-only data and accessibility. Ecological Modelling 299:147-155.

Fourcade Y. 2016. Comparing species distributions modelled from occurrence data and from expert-based range maps. Implication for predicting range shifts with climate change. Ecological Informatics 36: 8-14. 

Garbino GST, Gregorin R, Lima IP, Loureiro L, Moras L, Moratelli R, Nogueira MR, Pavan AC, Tavares VC, Nascimento MC, Novaes RLM, Peracchi AL. 2022. Updated checklist of Brazilian bats: versão 2020. Comitê da Lista de Morcegos do Brasil—CLMB. Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (Sbeq).<https://www.sbeq.net/lista-de-especies>. Acessado em: 28 de maio de 2022.

Gaston KJ, Rodrigues ASL. 2003. Reserve selection in regions with poor biological data. Conservation Biology 17:188-195.

Hernandez, P.A. et al. 2008. Predicting species distributions in poorly-studied landscapes. Biodiversity and Conservation 17:1353-1366.

International Union for Conservation of Nature (IUCN). 2014. Guidelines for Using the IUCN Red List Categories and Criteria. Version 11. Prepared by the Standards and Petitions Subcommittee. Disponivel em http://www.iucnredlist.org/documents/RedListGuidelines.pdf.

Liu C, White M, Newell G. 2013. Selecting thresholds for the prediction of species occurrence with presence-only data. Journal of Biogeography 40: 778–789.

Merow C, Smith MJ, Silander JA Jr. 2013. A practical guide to MaxEnt for modeling species’ distributions: what it does, and why inputs and settings matter. Ecography 36:1058–1069. doi:10.1111/j.1600-0587.2013.07872.x.

Phillips SJ, Anderson RP, Dudík M, Schapire RE, Blair ME. 2017. Opening the black box: an open-source release of Maxent. Ecography 40: 887-893.

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Rodrigues A. 2011. Improving coarse species distribution data for conservation planning in biodiversity-rich, data-poor, regions: no easy shortcuts. Animal Conservation 14:108-110.

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Rondinini C, Stuart S, Boitani L. 2005. Habitat suitability models and the shortfall in conservation planning for African vertebrates. Conservation Biology 19:1488-1497.

Zurell D et al. 2019. Testing species assemblage predictions from stacked and joint species distribution models. Journal of Biogeography 47: 101–113.

Agradecimentos:

Esta pesquisa foi possível graças a recursos de compensação ambiental espeleológica disponibilizados pelo TCCE ICMBio/Vale II, administrados pelo IABS.

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